quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Da falta

O que falta é o toque. É o que é visível, palpável, palatável. Falta o som das risadas. O balançar das cortinas no sábado de manhã, procurando o que fazer para aproveitar melhor o fim de semana.
Falta o beijo de todo dia antes de sair pro trabalho, mesmo quando a gente brigava e você ficava sem falar comigo. Falta o eu te amo no fim de toda e qualquer ligação que fazíamos uma pra outra. Sem aqueles eu te amos, nenhuma existência fazia sentido.
Talvez agora não faça mesmo.
Falta o silêncio cúmplice das tardes de domingo, enquanto você me ajudava a programar a próxima semana.
Falta o seu tempero na comida, o gosto daquilo que só você sabia fazer. O feijão com louro e linguiça, o peixe à brasileira com azeite de dendê e leite de coco, a língua com milho verde e nunca ervilha, o bacalhau cheio de azeitona que eu sabia que você fazia pra me irritar, só podia.
Faltam as suas broncas, suas exigências, sua preocupação com a minha aparência e sua certeza de que eu conseguiria tudo que eu quisesse e que tudo ficaria bem.
Falta, acima de tudo, o amor palpável, aquele que extrapola o sentimento e se traduz em atitudes positivas e diretas.
Ainda não adianta pensar que você olha por mim de onde está (e eu sei que sim). Tudo o que sinto é a falta exatamente de te sentir fisicamente aqui comigo. Dizem que isso passa, que a dor diminui, que vira uma saudade bonita.

Um dia, quem sabe. Por enquanto, ainda é tudo dor.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Sobre o maior amor e a maior dor do mundo

Mamãe sempre gostou que eu escrevesse. Muitas vezes dediquei algumas linhas a ela. E como ela gostava disso! Ela também gostava de canetas e de escrever sua bonita letra em papel. Gostava de filmes bonitos e de passear no shopping. Gostava de se cuidar, é a pessoa mais vaidosa que conheci, certamente. Isso, inclusive, nos rendeu algumas broncas.

Mamãe sempre desejou a nossa presença física diariamente e isso me levou a alguns questionamentos que desde a semana passada se dissiparam. Hoje, talvez, eu entenda que ela, de alguma forma, sabia que tinha pouco tempo com a gente. E, de fato, teve. E nós sentimos muitíssimo por isso.

Muita gente vê nossa mãe como guerreira, mas não conhece 10% da história dela. Mamãe fez escolhas que muita gente julgou. Nós nunca. Ela sempre pensou no bem maior que ela tinha (tem) e esse bem temos orgulho de saber que somos nós. Mesmo quando precisou de mais cuidados, cuidava de nós como ninguém. E isso não acabou quando o monitor do CTI deu seu último apito na nossa presença.

Desde meados de 2012, quando ela - sozinha - diagnosticou o Mieloma Múltiplo, depois confirmado pelo seu médico, o Dr. Leandro Pataro, ela (que sempre teve o maior respeito pela medicina) se dedicou a viver do melhor jeito que pôde.

Ela não precisava, mas foi (e é) o maior exemplo de vontade de viver que cada pessoa aqui pôde conviver. Teve seus momentos de revolta, de choro copioso (quase nunca na nossa frente), mas ela, desde o primeiro minuto, escolheu a vida. Que orgulho temos! E que orgulho de saber que boa parte desse esforço foi por nós. Eu e Raquel.

Temos certeza de que nossa vida juntas é eterna, que os nossos laços nunca terão fim. Guardamos no peito o maior amor e também a maior dor do mundo.

Mãezinha, vá para o seu lugar bonito em paz. Nós cuidaremos de nós como você esperou ouvir para poder partir.

Nós te amamos.
 
 
 
 
 

sábado, 26 de março de 2016

O passo do passo

(...)
Só entenda, por favor, que o amor alheio não se mede. Ele não é seu, nunca será, não se perca no seu próprio ego. O amor nunca é de quem recebe, mas de quem sente, é livre, independente de a quem se dá. Receber é dádiva, presente, não é algo de que se reclame ou desautorize. Nele, não existe o que você possa controlar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Silêncios

Do silêncio que constrange, machuca, que grita alto e impede de dividir. Desse que faz com que o amor desinvada, encolha, não mereça, sequer, um porvir. O silêncio que fala sobre o que deixou de ser, que se transmuta no extremo oposto, na frivolidade do não sentir, do não querer, da ignorância de tudo que levou ao nada que é agora esse lugar.
A mudez daquilo que acaba, do que faltava pra ser feliz. Pra ser um e não dois, um em cada um, inteiros que não mais se somam, que não pretendem repartir. Repelem-se, desencaixam, desfazendo laços, aumentando espaços, abandonando os sonhos no cansaço, revelando as diferenças do sentir.

E o silêncio dos que se sabem, dos que, num só toque, percebem que o amor nunca se foi dali. O silêncio que aconchega e se projeta nessa imagem: nossa respiração, minha cabeça pousada sobre o seu peito, no leito acolhedor. Sem maiores adornos ou adjetivos - eles nunca serão necessários -, o puro e simples desejo de existirem juntos, um dia.
Sentir-se livre para não dizer e, justo aí, se fazer entender, se despir. Perceber que o suporte do amor está no alívio de ter consigo o apoio do outro. E com o outro o seu próprio. A tão desejada reciprocidade do bem querer. E o silêncio como um fim e um meio para alcançar esse ideal que pode nunca vir, mas, mesmo só na imaginação, alivia.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Placas

Desce da barca. Continua falando. Falar pelos dedos é o que mais faz. Melhor do que pronunciar e se ouvir dizer o que verdadeiramente a apavora. Esconde ali, enquanto desabafa por caracteres, o que a aflige. Toma o ônibus. Dessa vez rindo, os olhos semifechados, ainda inchados da angústia incontida da tarde. Às vezes é impossível ser forte mesmo, aguenta, tenta, já você consegue de novo. Se diz. E avança. Opa, aonde você foi parar, que lugar é esse. Ta louca. Ri, ri muito de si mesma. Olha pela janela e pensa se vai ter coragem de descer no meio do nada, parece hostil. Mas é brava, quantas vezes já se embrenhou e desbravou o desconhecido, vai ter medinho agora. Não vai, nunca foi dessas. Desce de novo. Se concentra e procura nomes familiares. Encontra, sem certeza. Arruma a convicção. Finge segurança e anda.


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Transbordo

No geral, eu escrevo aqui pra mim. Pra colocar pra fora, regurgitar, dizer o que não tenho coragem de expressar pessoal e diretamente. Que difícil ser 100% honesta. E isso não só com o outro, mas comigo mesma também.
E, nessa mudez, vou encolhendo, me escondendo, camuflando, guardando tanto pra mim (e de mim) que uma hora transbordo. E o transbordo, no geral, tem o efeito contrário ao que eu pensava desejar. De uma hora pra outra, fico nua, viro água cristalina num rio estranhamente calmo e fértil.
Esse refúgio, oásis de ar puro e leve que aparece de tempos em tempos, impede o gatilho da implosão, afasta a faísca do gás, arranca (com uma fina ironia) o oxigênio do ar.
Diante disso, me resta o ser, o estar e, principalmente, o dizer. Sem precisar muito entender, mesmo porque se decifrar demais deve ser dos mais pesados fardos a se carregar.
Prefiro manter a leveza dos apesares, essa que renasce a cada gesto sincero de quem se propõe a estender a mão e enxergar com os melhores olhos tudo o que sempre esteve aqui, dentro de mim.
E que transborda de quando em quando.



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Fomos

E a gente erra de novo os mesmos erros. Talvez pra ter certeza de que nunca foram os certos mesmo. Nas insistências, os devaneios de que a vida pode, de repente, ser diferente e nos fazer sorrir para os repetidos e antigos sonhos. Equivocados, mal pensados, desastrosos. Sinceros arrependimentos de alguns poucos segundos que deixam de existir nas lembranças dos quereres bem vividos, esperados por milênios, séculos, década(s)...
Sentimentos que não dependem de mais de um para serem belos. O fim da eterna espera pelo que sempre houve além de mim, além de você. Que se desfez nos nós. Desatados, a sós na multidão de apenas dois. Carregando as mesmas certezas de outrora, permaneço na ansiedade e inerte diante do que nunca virá. Sofro, e, ainda assim, não te maldigo pelas promessas incumpridas e muito menos a mim por essa credulidade cega. Não, não me acostumei, só aprendi que a gente é todo esse pouco indispensável. Somos esse tanto de todas as possibilidades do que, provavelmente, jamais acontecerá.